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sábado, 13 de abril de 2013

Tinga




TINGA



Tinha caído uma chuva fina na noite anterior. Tupã havia nos abençoado naqueles últimos dias e nossas plantações estavam bem desenvolvidas. Era bem cedo quando sai com meus três irmãos mais novos para banhá-los no rio. Estávamos voltando para a aldeia e ainda no caminho escutei alguns gritos, não gritos de desespero. Era como se muitos falassem ao mesmo tempo, e competissem por algo. Algo do tipo. Mandei meus irmãos subirem nas árvores e não descerem até que eu voltasse. Eles, empolgados, subiram rápido e começaram a brincar com Moema e Unai, macacas que eles mesmos deram os nomes.
Com minha lança na mão cheguei sorrateiramente á aldeia, escondida em uma árvore observei. Estava deserta. Nenhum movimento. Redes balançavam ao vento, sem ter ninguém dentro. Nem mesmo os animais estavam ali. Estranhei. Vasculhei as ocas. Nada.




Não larguei minha lança por nada, o medo começava a me dominar. Onde estava meu pai? Meus amigos? Onde estavam todos? Eu raramente tinha medo. Eu era a única índia ali que caçava, ao invés de lavar roupa. Eu era a preferida e não queria que isso acabasse ali. Respirei fundo e andei em direção á praia. Sempre com os joelhos curvados em um ângulo não muito fechado, a lança apontada para frente e olhos e ouvidos bem apurados.

Toda a aldeia estava na praia, demorei um pouco para entender o tumulto. Eu nem sabia o que pensar. Havia enormes pedras de formatos iguais no mar. Pedras que antes não estavam lá, e nenhuma outra pedra por ali, tinha aquela cor. Consegui me aproximar do Cacique.
-Pai, o que é isso?
Ele colocou a mão em meu ombro, e me fez ficar, junto com ele, de costas para o mar. Ele pediu silencio e alguns segundos seguintes todos se mantiveram calados. Meu pai não precisava fazer barulho, gritar, brigar, para que o obedecessem. Sempre teve muita autoridade. Depois que minha mãe morreu, ele ficou mais sério e as pessoas ficaram mais submissas ainda.

Ele fez um pequeno discurso sobre evitarmos estar na praia. E disse que manteria vigilantes por ali durante todo o dia e se necessário á noite. Ofereci-me para ser uma das vigilantes, mas meu pai não deixou. Ele pediu para que buscasse meus irmãos e fossemos para a oca.

Na tarde daquele mesmo dia, meu pai recebeu um relatório. Pedras menores saíram das pedras maiores, eram diferentes. E agora se dirigiam á praia.
Meu pai e eu tínhamos certeza de que não eram pedras. Pedras não surgem da noite para o dia, no meio do mar. E pedras não andam, ou nadam. Mas ele não queria assustar ninguém, muito menos meus irmãos medrosos.

-Pai, o que o senhor acha que são?
Estávamos agora em um penhasco, observando aquelas “pedras” estranhas.
-Acho que são canoas.
-Também pensei isso. Mas são tão diferentes. As nossas não tem essas... Coisas.
- Sim. É verdade.
-De onde elas vieram?
-Não sei minha filha. Não sei. Mas podem ser perigosos. Talvez uma outra tribo querendo guerrear.
-Estão muito próximos.
-Sim, á qualquer minuto iram descer á praia.
-Temos guerreiros lá em baixo?
-Sim. Mas quero que você pegue seus irmãos e vá para o lado norte da aldeia. Quero que fique por lá e se abriguem na caverna do lobo. E quando eu decidir que é seguro, mandarei busca-los. Irei mandar a velha Ceci para avisa-los que voltem. Se daqui a duas luas ninguém aparecer, quero que fujam, sempre para o norte da aldeia. Nunca para o sul.
-Pai, -o abracei- vai ficar tudo bem.
-Não posso perder vocês também. -Ele estava chorando-Não posso.

Peguei uma cesta velha e enchi com alimentos. Peguei minha lança e chamei meus irmãos. Subimos o penhasco novamente. Meu pai não estava, mas lá. Olhei em direção a praia. As canoas haviam chegado. Tinham outros índios. Índios cobertos. Índios pálidos. Índios estranhos. Talvez não fossem índios. Não pude resistir.
- Ubirajara, aonde você vai?
-Fique aqui Piatã. Volto logo!
Meus outros irmãos estavam sentados brincando com Moema e Unai, as macaquinhas.
-Fique de olho em Saíra e Cauré. Não cheguem perto da ponta do penhasco.
Corri pela mata enquanto ele administrava tudo que eu havia dito.
Me abriguei junto á um grupo de rapazes que estavam espreitando a conversação de meu pai com o cara pálida, por entre as plantas.

Senti alguém me puxar pela cintura. Era Acauã, fazia tempo que eu não o via.
-O que está acontecendo?- Perguntei




- Não sei. Os Tinga estão falando como animais, não da para entender.
- O que a garota com nome de menino está fazendo aqui?
Jaci. A namorada do meu melhor amigo, Acauã. Ela me odeia.
-Não se preocupe, estou de saída. – Falando isso me virei e corri de volta ao penhasco. Meus irmãos não havia nem se mexido.

A caverna do lobo ficava distante, e já estava muito escuro quando chegamos. Estava cansada de carregar meus dois irmãos mais novos no colo, então assim que cheguei, dormi. Todos dormiram.
Acordei com a luz do sol me incomodando. Meus irmãos tinham saqueado a cesta e comido quase todo o alimento ali.
-Seus bobos, temos que comer o menos possível.

Passada as duas luas, eu chorei. A velha Ceci não havia aparecido. Resolvi esperar mais uma lua. Nada. Eu queria voltar, ver se meu pai estava bem. Mas eu prometi fugir. Eu não fugi. Fiquei na caverna do lobo durante vinte e sete luas, a comida havia acabado. As árvores mais próximas já não tinham mais seus frutos, e eu não poderia fazer mais nada a não ser fugir. Enquanto esperava meus irmãos acordarem, sentei ao lado de fora da caverna. Segundos mais tarde ouvi algum barulho nas plantações  próximas.
-Velha Ceci! Eu não acredito. Você veio! Eu estava esperando pela senhora.
-Minha menina, já fazem vinte e sete luas. Não deveria estar aqui.
-Mas estou. Veja que sorte.- Abracei A velha Ceci. – O que foi Velha Ceci? Está estranha.
Velha Ceci começou a chorar.
-Você deveria ter partido menina tola. Deveria ter partido.
Me afastei dela, olhando-a interrogativamente. E então vi, quando vários daqueles Tinga saíram dos arbustos e árvores com alguns objetos, que imaginei que feriam apontados para mim. Desejei que meus irmãos não saíssem da caverna.




Os Tinga gritavam algo para mim e sacudiam suas gerigonças esquisitas para meu lado. Eu estava prestes a chorar.
-Onde está o meu pai valha Ceci?
-Ele se foi minha querida. Ele se foi.
-Se foi? Como se foi Velha Ceci? Do que está falando?
-Eles estão escravizando todos nós. E quem não os-obedece, eles tiram a vida.
-Não. –Sussurrei desolada.
Entrei na caverna de costas e escutei os tinga gritarem algo. Meus irmãos haviam feito exatamente o que eu havia dito desde o início: Fugiram pela abertura traseira. Eu não poderia ir, eles iriam me seguir e encontrar á mim, e a meus irmãos. Mas se eu não fosse, Piatã, Saíra e Cauré ficariam sozinhos e não poderiam se defender.
Eu não seria escravizada, e nem deixariam que pegassem meus irmãos. Eu só pensei em uma única coisa. Eu pulei o penhasco.






Significados dos nomes:

Tinga – de cor branca ( Origem Tupi )
Ceci – Mãe superior ( Origem Tupi )
Ubirajara – Senhor da lança, lanceiro.( Origem Tupi )
Piatã – Forte, corajoso (Origem Tupi )
Moema – doce, adocicada ( Origem Guarani)
Unai- Pretinha (Origem Tupi )
Saíra- Pequeno, delgado (Origem Tupi )
Cauré – espécie de gavião ( Origem Nheengatu )
Acauã – Grande ave que ataca as serpentes ( Origem Tupi )
Jaci – Lua (Origem Tupi )


AUTORA: LETÍCIA PONTES DOS SANTOS


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